domingo, 19 de fevereiro de 2017

Simbologia dos números em Mensagem

Simbologia dos números em Mensagem Maria Isabel Tavares Coelho, MENSAGENS DE MENSAGEM, de Fernando Pessoa, 2010 3. Três O número três exprime uma ordem intelectual e espiritual, em Deus, no cosmo ou no homem. Junção do primeiro número ímpar, o número do Céu, com o 2, número da Terra. Para os cristãos, a perfeição da Unidade divina: Deus é Um em três pessoas. (…) O tempo é triplo: passado, presente e futuro. Fazendo um estudo dos números que mais frequentemente surgem na obra Mensagem, facilmente se constata que o três é o número mais vezes repetido, aparecendo mais de trinta vezes, ao longo do poema. Uma das ocorrências do número três, talvez aquela com mais significado, relaciona-se com a estrutura da obra, que apresenta uma divisão em três partes, pelo que este número parece funcionar como a pedra basilar de toda a obra. A primeira parte, a que deu o nome de “Brasão” remete para as ideias de passado e de princípio, porque aquilo a que se assiste, na primeira parte da sua obra, é precisamente à fundação do grande reino português, recordando heróis que, no passado, foram importantes para que o Reino de Portugal surgisse, ou seja, são os pais fundadores da nacionalidade portuguesa. Começando com Ulisses, vai referindo heróis que fizeram parte de momentos importantes, até chegar ao rei D. João II, ao Infante D. Henrique e a Afonso de Albuquerque, figuras que tiveram um contributo na conquista dos mares. Esta primeira parte remete para o elemento Terra, já que maioritariamente os seus poemas falam de heróis que se destacaram no papel de fundadores e conquistadores de um espaço terrestre, que corresponderia ao território continental do Reino de Portugal, no continente europeu. Os heróis são os grandes guerreiros. Na última subparte (O Timbre), da primeira parte (BRASÃO), o poeta avança três heróis que serão fundamentais para a segunda parte (MAR PORTUGUÊS). A subparte final da primeira parte prepara a entrada na segunda parte. Este mesmo método é utilizado no final da segunda parte, na qual os dois últimos poemas (“A Última Nau” e “Prece”) servem de uma espécie de introdução da terceira e última parte (O ENCOBERTO). A segunda parte está associada à ideia de presente e de desenvolvimento. Com o Infante D. Henrique, Portugal parte para a aventura da conquista dos mares. Do elemento Terra, passa-se ao elemento Água. Nesta parte, desfilam os heróis, que se notabilizaram no domínio dos mares e na construção de um império, que passou para lá das fronteiras da Europa, espalhando-se pelos vários continentes. Trata-se de um Portugal Além-Mar. Os heróis são os grandes navegadores. Esta parte tem a epígrafe «Possessio maris» (Posse do mar). A terceira parte remete para a ideia de futuro, associando-se ao anúncio do V Império. O que se pretende já não é a conquista da Terra, nem a conquista do Mar, mas a conquista do Céu, atendendo ao carácter particular deste último grande império da humanidade, que se fundamenta sobretudo no espírito. Este é o único império que não tem bases materiais. A matéria é perecível; pode-se conquistar, dominar, possuir e destruir. O espírito é eterno; não se pode derrotar, aprisionar, nem destruir, apresentando maior durabilidade. Esta parte tem a epígrafe «Pax in excelsis» (Paz nas alturas), o que está relacionado com a conquista de um império espiritual e, mais uma vez, se pode ligar com a epígrafe da Parte I. Não é com guerras que este império será alcançado, mas sim com a paz, único meio capaz de conduzir a uma dimensão superior (alturas). O número três, que já foi tratado no que diz respeito à estrutura tripartida da obra, é, provavelmente, o número mais vezes repetido, sendo usado em ocorrências diversificadas. Ainda no que diz respeito à estrutura externa, há duas subpartes, que apresentam três poemas. São elas a quinta subparte (O Timbre), da primeira parte (BRASÃO) e a segunda subparte (Os Avisos), da terceira parte (O ENCOBERTO). O número três também se observa em relação ao número de poemas que são constituídos por três estâncias, num total de dezoito poemas. Há apenas um poema composto exclusivamente por tercetos, que é o poema “D. Duarte, Rei de Portugal”. Há a salientar a existência de estâncias com seis e nove versos, que são múltiplos de três. A este propósito, destaca-se o poema “O Mostrengo”, composto de três nonas (igual a três vezes três) e os seus versos são hexassílabos (têm seis sílabas métricas, que também um múltiplo de três – 6 = 3 +3, ou 3 x 2), mas onde o número três também é usado ao nível da estrutura interna do poema: - O mostrengo fala três vezes; - O homem do leme fala três vezes; - A roda da nau voou três vezes; - O mostrengo rodou três vezes; - O homem do leme ergueu as mãos três vezes; - O homem do leme repreendeu o leme três vezes; - O homem do leme tremeu três vezes; - O último verso de cada estrofe é repetido três vezes (Refrão “El-Rei D. João Segundo!”); Há ainda a salientar o facto deste poema se situar a meio da obra, tendo antes vinte e um poemas e depois, vinte e dois poemas. Se no número vinte e um adicionarmos o número dois ao número um (21 ---» 2+1= 3), obtemos precisamente o número três, o que nos parece revestir-se de grande importância. O mostrengo está no meio do poema, simbolizando todos os obstáculos que os portugueses tiveram de enfrentar na sua conquista dos mares mas, como o povo costuma dizer, à terceira é de vez, isto é, o três parece marcar o fim do domínio do mostrengo nos mares, que será dado aos portugueses. As sucessivas repetições do número três, no poema “O Mostrengo” parecem marcar o final de um ciclo e o início de outro. Era certo que uma mudança na ordem das coisas fosse surgir: era inevitável que o mostrengo fosse derrotado e os portugueses prosseguissem a sua viagem rumo à Índia. Curiosamente, este mostrengo não desaparece definitivamente da obra, como acontece em Os Lusíadas, de Luís de Camões. Ele regressa no penúltimo poema da obra (“Antemanhã”) para recordar ao povo português como ele já foi capaz de realizar grandes feitos e para o incentivar a repetir esses momentos de glória e, mais uma vez ele fala num terceiro mundo a ser desvendado pelo povo português: Quem é que dorme a lembrar Que desvendou o Segundo Mundo, Nem o Terceiro quer desvendar? 5. Cinco, união e harmonia O número 5 vai buscar o seu simbolismo ao facto de, por um lado, ser a soma do primeiro número par e do primeiro número ímpar (2+3); e, por outro lado, ser o meio dos nove primeiros números. É sinal de união, número nupcial, (…) número também do centro, da harmonia e do equilíbrio. Será, portanto, o número das hierogamias (união sexual ou matrimonial entre seres divinos ou entre um ser humano e um ser divino), o casamento do princípio celeste (3) e do princípio terrestre da mãe (2). É ainda o símbolo do homem (braços afastados, o homem aparece disposto em cinco partes em forma de cruz: os dois braços, o tronco, o centro abrigo do coração, a cabeça, as duas pernas) Símbolo igualmente do universo: dois eixos, um vertical e o outro horizontal, passando por um mesmo centro. É símbolo da ordem e da perfeição; finalmente, símbolo da vontade divina que só pode desejar a ordem e a perfeição. Representa também os cinco sentidos e as cinco formas sensíveis da matéria: a totalidade do mundo sensível. O número cinco é usado em situações igualmente diferentes, aparecendo dez vezes e tendo, tal como o número três, uma importância vital na obra. Há três subpartes, que são compostas por cinco poemas: a subparte III («As Quinas») da primeira parte (BRASÃO) e as subpartes I («Os Símbolos») e III («Os Tempos») da terceira parte (O ENCOBERTO). O facto da subparte III («As Quinas») da primeira parte (BRASÃO) ser constituída por cinco poemas relaciona-se com o título da subparte, uma vez que as quinas são as cinco chagas de Cristo, sendo aqui apresentados cinco mártires da pátria portuguesa, curiosamente todos eles pertencentes à Dinastia de Avis. Estes mártires encontram-se distribuídos da seguinte maneira: dois reis nos extremos - D. Duarte e D.Sebastião - (1.º e 5.º poemas), um regente no meio – D. Pedro - (3.º poema) e dois infantes entre os reis e o regente – D. Fernando e D. João (2.º e 4.º poemas). Destes cinco mártires, apenas um (D. Pedro) não sofreu, nem morreu no norte de África, vítima da Guerra Santa. Esta subparte surge na sequência da subparte anterior, que apresenta os sete castelos conquistados aos reis mouros. Depois da conquista física, material, terrena, vem a conquista espiritual, que irá completar o ciclo, apresentando então a união do terreno, material, (castelos) com o espiritual, celestial (mártires), que conduz à perfeição. Em relação à parte III (O ENCOBERTO), há duas subpartes que têm cinco poemas, a primeira e a última. A primeira subparte explora cinco símbolos, que comprovam a vinda do Encoberto, estando eles numa determinada ordem: começa-se por D. Sebastião, que encarna o mito do messianismo; em segundo lugar, passa-se para o anúncio do V império; em terceiro lugar, exprime-se o desejo da vinda de um salvador, de um novo Galaaz e a esperança de que, com ele, se concretize o V Império; em quarto lugar, referem-se as ilhas onde repousará o rei do império anunciado e que apenas espera que chegue o tempo certo para se revelar e, em quinto lugar, fala-se do Encoberto. O número cinco parece anunciar a vinda do Encoberto, que espera apenas a vontade divina para se dar a conhecer ao mundo, uma vez que ele pode simbolizar a perfeição e a união entre o princípio terrestre e o princípio celeste, o casamento entre a terra e o céu. A terceira subparte apresenta igualmente cinco poemas, também estes numa determinada ordem. 7. Sete, conclusão e renovação Resultando o número sete da soma de quatro (terra) com três (céu), este simboliza a totalidade do universo em movimento e é precisamente isto que se observa na obra Mensagem. O número sete é muito pouco usado, surgindo apenas três vezes. O número sete está presente na segunda subparte («Os Castelos), da primeira parte (BRASÃO), que é composta por sete poemas. Na realidade, pode-se encontrar oito poemas, mas dois deles foram agrupados num só, como se fizessem parte de um só corpo. Trata-se dos poemas “D. João, o Primeiro” e “D. Filipa de Lencastre”, ambos numerados com o sete, talvez por se tratar de marido e mulher. Na segunda subparte da primeira parte de Mensagem o sete remete para a conquista dos sete castelos aos reis mouros e simboliza a conquista da terra, a fundação do reino de Portugal, no espaço europeu. É um ciclo que chegou ao fim, é uma obra que se conclui. De acordo com a tradição cristã, Deus descansou ao sétimo dia, depois de ter criado o mundo. Este descanso não significa que já não há obra para se fazer, mas apenas que é necessário restaurar-se as forças para se voltar a produzir nova obra, ou seja, o destino do povo português não se esgotou. Há ainda muita obra a concretizar-se e um novo ciclo se iniciará. Este novo ciclo poder-se-á adivinhar na terceira e última subparte, («Os Tempos») da terceira parte (O ENCOBERTO), onde se encontram dois poemas que são formados por estâncias de sete versos ( sétimas), sendo eles os poemas “Calma” (terceiro poema) e “Antemanhã” (quarto poema). 12. Doze, o universo O doze é um número de eleição, o número do povo de Deus, do povo eleito, presente nas “doze tribos e Israel”, “doze potas de Jerusalém” e “doze discípulos de Cristo.” São doze os meses do ano, os signos do Zodíaco e os Cavaleiros da Távola Redonda. O número doze representa a igreja triunfante, podendo considerar-se que este ciclo da história de Portugal que se concluiu implicou uma vitória da igreja, já que Portugal formou-se a partir da expulsão dos Mouros, os infiéis, do seu território. O número doze pode ainda simbolizar o universo complexo e numa evolução espaço-temporal cíclica. A conquista do espaço físico, que fechou um ciclo, dá lugar a um novo ciclo de conquistas, agora no mar. O número doze está presente apenas duas vezes na obra, uma de maneira mais explícita, outra de um modo mais disfarçado. Na primeira parte (BRASÃO), a subparte II («Os Castelos») apresenta sete poemas e a subparte III («As Quinas») tem cinco poemas. Estes poemas somados dão o número doze. Estas duas subpartes parecem constituir um bloco, já que falam dos heróis que contribuíram para a conquista do território antes dos descobrimentos marítimos. Para além disso, “castelos” e “quinas” são dois elementos que se encontram representados no “brasão”. O número doze poderá aqui simbolizar a realização de uma obra (construção do reino português; espaço físico/ terreno), o encerramento de um ciclo. É a primeira página da história de Portugal, que acabou de ser escrita. O número doze representa a igreja triunfante, podendo considerar-se que este ciclo da história de Portugal que se concluiu implicou uma vitória da igreja, já que Portugal formou-se a partir da expulsão dos Mouros, os infiéis, do seu território. O número doze pode ainda simbolizar o universo complexo e numa evolução espaço-temporal cíclica. A conquista do espaço físico, que fechou um ciclo, dá lugar a um novo ciclo de conquistas, agora no mar. A segunda parte da obra (MAR PORTUGUÊS) é a única que não se encontra subdividida, apresentando unidade, sendo constituída por doze poemas. Esta parte é dedicada à construção do grande império marítimo português, pelo que o número doze aponta, novamente, para a realização da obra e o encerramento de um ciclo. A ideia de realização, de concretização de uma obra está, mais uma vez, implícita porque, que como é dito no primeiro poema desta parte, «O Infante»: Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez. Senhor, falta cumprir-se Portugal! A parte inicial do verso (“Cumpriu-se o Mar”) fala, precisamente, dessa realização e a parte final (“e o Império se desfez”) já prepara o início de um novo ciclo, até porque o poema termina afirmando “Senhor, falta cumprir-se Portugal!”, numa referência clara a uma missão sagrada, divina, dependente da vontade de Deus (“Senhor”), que está subjacente ao destino do povo português (“falta cumprir-se Portugal”). O número doze, sob o ponto de vista cristão, é riquíssimo, estando associado à Jerusalém celeste; é o número do povo de Deus e da Igreja, pelo que se pode relacionar o verso final com uma predestinação do Povo Português (o povo eleito) para abrir um terceiro ciclo de conquistas portuguesas.

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