Universo Simbólico no
Memorial do Convento
A História de Manuel
Milho
A
história, que Manuel Milho vai contando, durante os vários dias que dura o
transporte da pedra Benedictione, é
uma reflexão sobre a existência humana e mostra que, no fundo, o mais importante
é o ser humano e a sua essência. Manuel Milho narra a história de uma rainha
que gostaria de ser mulher para conseguir decidir se, na verdade, queria ser ou
não rainha, e de um ermitão que queria ser homem. Ambos desejavam não ser o que
eram, mas ser apenas um homem e uma mulher. Esta história mostra que cada um é
aquilo que as condições sociais e as circunstâncias permitem que o seja
(capítulo XIX).
Três
Representa
a ordem espiritual e intelectual, é o número perfeito, a expressão da
totalidade. Para o cristianismo, os três elementos da trindade são o Pai, o
Filho e o Espírito Santo, um só Deus em três pessoas, tal como Baltasar,
Blimunda e Bartolomeu Lourenço que constituem a Trindade Terrestre, três
pessoas em perfeita comunhão que alcançam um poder divino e uno.
Quatro
Número
ligado ao quadrado e à cruz, significa o sólido, a totalidade, mas uma
totalidade perecível. Curiosamente, Domenico Scarlatti será o quarto elemento
de um conjunto de pessoas que concretizam a audaciosa missão de voar. Ele
parece ser o elemento que completa esse todo, elemento esse, imprescindível à
plena realização desse projeto. No entanto, esse sonho, irá desfazer-se, será
findável.
Sete
Muito
referido na Bíblia, surge recorrentemente na obra, sete são os homens que vêm
trabalhar para Mafra no convento, oriundos de sete regiões do país; sete bispos
batizam a infanta; sete vezes Blimunda vai a Lisboa à procura de Baltasar e o
número sete repete-se na data da bênção da primeira pedra do convento – 17 de
novembro de 1771. O sete é o resultado do número perfeito, o três e, do número
da totalidade, o quatro e, representa a totalidade do espaço e do tempo, do
universo em movimento.
Nove
Número
da procura, da gestação, simboliza o coroar do esforço, o fim de um ato
criativo, o fim de um período de busca frutuosa, como acontece com Blimunda
que, durante nove anos, procurou o seu amado. Após a separação, Blimunda
reencontra Baltasar e, recolhendo a sua vontade, une-se àquele que ama. Esta
união representa a vitória do poder do amor.
A passarola
Funciona
como o elo de ligação entre a terra e o céu, e surge, na obra, metaforicamente,
referida como uma ave, o que remete,
de imediato, para o voo das aves. O
sonho de voar conota a ousadia e a conquista, mas pode ter um lado negativo: a
queda, a desilusão.
O ovo
A
máquina inventada pelo padre Bartolomeu aparece também designada por ovo, elemento que simboliza a origem, o
nascimento. Como que protegido de qualquer ameaça, o casal vive no seu interior
momentos de amor intenso. O ovo pode ser interpretado simultaneamente como um
espaço de segurança e como a renovação constante do amor.
Convento
Símbolo
do definitivo, do imutável, do eterno e, nesse sentido, opõe-se à passarola. É
evidente o contraste entre o caráter libertador do projeto de Bartolomeu de
Gusmão, que evidencia a atitude criadora do homem e a capacidade de vencer
barreiras quando trabalha em conjunto, e a natureza opressora da promessa do
rei, que espelha uma vontade egoísta e megalómana.
Os olhos/O olhar
Ocupam
um espaço privilegiado devido ao poder visionário de Blimunda. O seu olhar
mágico seduz Baltasar e será muitas vezes uma forma de comunicação entre o
casal.
Espigão
O
espigão de Baltasar de que Blimunda se serve para se defender, no Monte Junto,
da tentativa de violação, presentifica o próprio Baltasar. É, como se, na sua
ausência, tivesse ficado para salvar Blimunda a “mão” do seu amor.
Mutilação de Baltasar
Aparece
frequentemente como uma marca de inaptidão e de marginalidade, todavia, na
obra, Baltasar conseguirá superar a sua incapacidade ao contribuir para
construir a passarola e o convento.
Sonho
É
o espaço onde as personagens deixam transparecer as suas emoções, medos,
frustrações, desejos, funcionando, por vezes, como um fator de equilíbrio, como
é o caso da rainha, que compensa, no mundo onírico, as suas frustrações
afetivas e sexuais. Em relação ao rei, os sonhos espelham, acima de tudo, a
manifestação do seu poder. Os sonhos comuns de Baltasar, Blimunda e Bartolomeu
são uma forma de sublinhar a sua cumplicidade e partilha.
Música
Simboliza
a harmonia e a plenitude do cosmos. A música de Scarlatti representa a
comunicação e tem o poder de curar. O som do seu cravo irá fascinar o padre e
acompanhar o processo de construção da passarola e o momento em que ela se
eleva no céu.
Pedra/A mãe pedra
Símbolo
da Terra-Mãe exige um esforço enorme por parte dos trabalhadores que, com
coragem, força, habilidade e inteligência e vão transportar de Pero-Pinheiro
até Mafra. É uma laje descomunal que evidencia a pequenez do homem, mas que
comparativamente ao convento se torna pequena. Conseguir transportar a pedra
até ao seu destino, vai transformar estes homens em verdadeiros heróis. A
pedra, pela sua firmeza, também se pode associar à sabedoria.
Abegoaria
É
o espaço escondido onde se constrói a passarola, onde se materializa o sonho. É
o espaço da utopia, da invenção, da descoberta, da partilha e da amizade.
Sangue
Símbolo
de vida.
Montanha (Monte
Junto)
Estabelece
a relação da terra com o céu, centro do mundo, traduz a estabilidade e a
inalterabilidade, guardando o que nela permanece, como a passarola que cai no
Monte Junto. A máquina voadora ficou protegida dos homens e do Santo Ofício e,
assim, mais tarde, inusitadamente e, como por magia, levantou voo, dando
sentido à vida da trindade terrestre.
Fogo
É
conforto, aconchego, purificação e regeneração, mas também destruição. O fogo
da lareira, em casa de Blimunda, é proteção e bem-estar; o fogo que Bartolomeu
Lourenço lança à sua máquina é uma forma de destruir o seu sonho fracassado; o
da fogueira dos autos de fé é opressão, destruição e morte.
Sete-Sóis e Sete-Luas
Os
nomes de Baltasar e de Blimunda têm o mesmo número de letras, começam por B e
as alcunhas deles são uma forma de mostrar a sua complementaridade. Baltasar
está relacionado com o Sol, fonte de luz, de calor e de vida, enquanto Blimunda
surge relacionada com a lua, símbolo da dependência, da periodicidade e da
renovação. A lua marca o ritmo biológico da mulher e o seu poder está, na
verdade, dependente das fases da lua. A vida dela necessita da presença de
Baltasar, mas o contrário também é verdadeiro, o que dá uma nova perspetiva a
esta correlação. Os dois formam um só ser, como se as particularidades/defeitos
de um fossem colmatadas pelo outro.
Estas
alcunhas aparecem associadas ao número sete que representa perfeição que, no
caso, apenas se atinge em conjunto. Eles são perfeitos porque se amam e se
entregam sem reservas a esse amor.
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