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terça-feira, 16 de maio de 2017
domingo, 14 de maio de 2017
quarta-feira, 10 de maio de 2017
Epopeia da Pedra- Memorial do Convento
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sábado, 6 de maio de 2017
domingo, 30 de abril de 2017
terça-feira, 25 de abril de 2017
sábado, 22 de abril de 2017
terça-feira, 18 de abril de 2017
Símbolos no Memorial do Convento - A. Teixeira
Aspetos simbólicos no Memorial do Convento, de José Saramago
O romance Memorial do Convento, de José Saramago, apresenta um riquíssimo manancial de aspetos simbólicos a explorar. Apresentam-se aqui apenas os mais significativos, numa análise breve e despretensiosa.
A História de Manuel Milho
A história, que Manuel Milho vai contando, durante os vários dias que dura o transporte da pedra Benedictione (episódio designado como “A epopeia da pedra”), é uma reflexão sobre a existência humana e mostra que, no fundo, o mais importante é o ser humano e a sua essência.
Manuel Milho narra a história de uma rainha que gostaria de ser mulher para conseguir decidir se, na verdade, queria ser ou não rainha, e de um ermitão que queria ser homem. Ambos desejavam não ser o que eram, mas ser apenas um homem e uma mulher.
Esta história mostra que cada um é aquilo que as condições sociais e as circunstâncias permitem que o seja (capítulo XIX).
Três
Representa a ordem espiritual e intelectual. É o número perfeito, a expressão da totalidade. Para o Cristianismo, os três elementos da trindade são o Pai, o Filho e o Espírito Santo, um só Deus em três pessoas, tal como Baltasar, Blimunda e Bartolomeu Lourenço que constituem a “Trindade Terrestre” (como lhes chama o músico Scarlatti), três pessoas em perfeita comunhão que alcançam um poder divino e uno.
Quatro
Número ligado ao quadrado e à cruz, significa o sólido, a totalidade, mas uma totalidade perecível. Curiosamente, Domenico Scarlatti será o quarto elemento de um conjunto de pessoas que concretizam a audaciosa missão de voar. Ele parece ser o elemento que completa esse todo, elemento esse, imprescindível à plena realização desse projeto. No entanto, esse sonho, irá desfazer-se, será findável.
Nove
Representa a gestação, a renovação e o nascimento. Blimunda procura Baltasar por nove anos, a sua separação originou a fragmentação da unidade representada pelo par.
Número da procura, da gestação, simboliza o coroar do esforço, o fim de um ato criativo, o fim de um período de busca frutuosa, como acontece com Blimunda que, durante nove anos, procurou o seu amado. Após a separação, Blimunda reencontra Baltasar e, recolhendo a sua vontade, une-se àquele que ama. Esta união representa a vitória do poder do amor.
Sete
Muito referido na Bíblia, surge recorrentemente na obra, sete são os homens que vêm trabalhar para Mafra no convento e contam em outras tantas micronarrativas as suas vidas particulares, sendo oriundos de sete regiões do país; sete bispos batizam a infanta; sete vezes Blimunda vai a Lisboa à procura de Baltasar e o número sete repete-se na data da bênção da primeira pedra do convento – 17 de novembro de 1771. O sete é o resultado do número perfeito, o três e, do número da totalidade, o quatro e, representa a totalidade do espaço e do tempo, do universo em movimento.
Aparece também associado ao apelido de Baltasar, Sete-Sóis, e a Blimunda, Sete Luas, como lhe chama o padre Bartolomeu.
Assim, associado a Baltasar Sete-Sóis e ao povo, sugere a ideia de vida, de renovação de energias (o povo trabalha até à exaustão no convento, Baltasar constrói uma máquina, mesmo depois de decepado).
Como o Sol, que todos os dias tem de vencer os guardiães da noite (mitologia antiga), também Baltasar vence as forças obscuras da ignorância e da intolerância ao voar.
Sete-Sóis e Sete-Luas
Blimunda - Com o seu poder de visão, compreende as coisas sobre a vida, a morte, o pecado e o amor.
O olhar de Blimunda é o olhar da «História» que o narrador exercita, denunciando a moral duvidosa, os excessos da corte, o materialismo e hipocrisia do clero, as injustiças da Inquisição, o terror, o obscurantismo de uma época, a miséria e as diferenças sociais.
Baltasar – apesar da sua deformidade física (perda da mão esquerda representa o corte com o passado militar) representa a força do trabalho do homem do povo: é o verdadeiro herói.
Os nomes de Baltasar e de Blimunda têm o mesmo número de letras, começam por B e as alcunhas deles são uma forma de mostrar a sua complementaridade. Baltasar está relacionado com o Sol, fonte de luz, de calor e de vida, enquanto Blimunda surge relacionada com a lua, símbolo da dependência, da periodicidade e da renovação. A lua marca o ritmo biológico da mulher e o seu poder está, na verdade, dependente das fases da lua. A vida dela necessita da presença de Baltasar, mas o contrário também é verdadeiro, o que dá uma nova perspetiva a esta correlação. Os dois formam um só ser, como se as particularidades/defeitos de um fossem colmatadas pelo outro.
Estas alcunhas aparecem associadas ao número sete que representa perfeição que, no caso, apenas se atinge em conjunto. Eles são perfeitos porque se amam e se entregam sem reservas a esse amor.
Mutilação de Baltasar
Aparece frequentemente como uma marca de inaptidão e de marginalidade. Todavia, na obra, Baltasar conseguirá superar a sua incapacidade ao contribuir para construir a passarola e o convento, tal como Deus que, sem mão esquerda, também fez o universo, como explicou o padre Bartolomeu a Baltasar.
A “Passarola voadora”
Traduz a harmonia entre o sonho e a sua realização. Graças ao sonho, foi possível juntar a ciência, o trabalho artesanal, a magia e a arte, para fazer a passarola voar.
Representa a liberdade, a alternativa a um espaço de repressão, intolerância e violência (Inquisição / Despotismo Iluminado).
Funciona como o elo de ligação entre a terra e o céu, e surge, na obra, metaforicamente, referida como uma ave, o que remete, de imediato, para o voo das aves. O sonho de voar conota a ousadia e a conquista, mas pode ter um lado negativo: a queda, a desilusão, o castigo, com a tragédia a que são sujeitos todos os envolvidos: o padre Bartolomeu, que “morreu doido”, de tanto fugir da Inquisição; Baltasar, queimado na fogueira de um auto de fé; Blimunda, a peregrinar nove anos em busca de Baltasar e Scarlatti, que teve de destruir o seu cravo, par não se ver perseguido pela Santo Ofício. Assim, a “hybris” dos quatro foi punida com o “pathos” e a catástrofe que atingiu todo o grupo.
O ovo
A máquina inventada pelo padre Bartolomeu aparece também designada por ovo, elemento que simboliza a origem, o nascimento. Como que protegido de qualquer ameaça, o casal vive no seu interior momentos de amor intenso. O ovo pode ser interpretado simultaneamente como um espaço de segurança e como a renovação constante do amor.
O Convento
D. João V, que surge na obra como um monarca libertino e vulgar (contrariando a História, que o consagra como «o Magnânimo»). Manda construir um monumento que é símbolo da ostentação régia, da opressão e da vaidade dos poderosos.
Representa também o sacrifício dos operários que construíram esse monumento, a exploração e miséria do povo que nele trabalhou.
Símbolo do definitivo, do imutável, do eterno e, nesse sentido, opõe-se à passarola. É evidente o contraste entre o caráter libertador do projeto de Bartolomeu de Gusmão, que evidencia a atitude criadora do homem e a capacidade de vencer barreiras quando trabalha em conjunto, e a natureza opressora da promessa do rei, que espelha uma vontade egoísta e megalómana.
Os olhos/O olhar
Ocupam um espaço privilegiado devido ao poder visionário de Blimunda. O seu olhar mágico seduz Baltasar e será muitas vezes uma forma de comunicação entre o casal.
Espigão
O espigão de Baltasar de que Blimunda se serve para se defender, no Monte Junto, da tentativa de violação por um frade dominicano, presentifica o próprio Baltasar. É, como se, na sua ausência, tivesse ficado para salvar Blimunda a “mão” do seu amor.
Sonho
É o espaço onde as personagens deixam transparecer as suas emoções, medos, frustrações, desejos. Funciona, por vezes, como um fator de equilíbrio, como é o caso da rainha, que compensa, no mundo onírico, ao sonhar eroticamente com o cunhado D. Francisco, as suas frustrações afetivas e sexuais. Em relação ao rei, os sonhos espelham, acima de tudo, a manifestação do seu poder. Os sonhos comuns de Baltasar, Blimunda e Bartolomeu são uma forma de sublinhar a sua cumplicidade e partilha: Baltasar sonha com a guerra, com a agricultura e com o voo.
Música
Simboliza a harmonia e a plenitude do cosmos. A música de Scarlatti representa a comunicação e tem o poder de curar. O som do seu cravo irá fascinar o padre e acompanhar o processo de construção da passarola e o momento em que ela se eleva no céu.
Pedra/A mãe pedra
Símbolo da Terra-Mãe, exige um esforço enorme por parte dos trabalhadores que, com coragem, força, habilidade e inteligência e vão transportar de Pero-Pinheiro até Mafra. É uma laje descomunal que evidencia a pequenez do homem, mas que comparativamente ao convento se torna pequena. Conseguir transportar a pedra até ao seu destino vai transformar estes homens em verdadeiros heróis de uma “epopeia em terra”. A pedra, pela sua firmeza, também se pode associar à sabedoria.
Abegoaria
É o espaço escondido onde se constrói a passarola, onde se materializa o sonho. É o espaço da utopia, da invenção, da descoberta, da partilha e da amizade.
Sangue
Símbolo de vida, mas também da aliança perene entre Blimunda e Baltasar, assinalada na cruz desenhada por ela no peito dele depois do primeiro encontro amoroso.
Montanha (Monte Junto)
Estabelece a relação da terra com o céu, centro do mundo, traduz a estabilidade e a inalterabilidade, guardando o que nela permanece, como a passarola que cai no Monte Junto. A máquina voadora ficou protegida dos homens e do Santo Ofício e, assim, mais tarde, inusitadamente e, como por magia, levantou voo, dando sentido à vida da trindade terrestre.
Fogo
É conforto, aconchego, purificação e regeneração, mas também destruição. O fogo da lareira, em casa de Blimunda, é proteção e bem-estar; o fogo que Bartolomeu Lourenço lança à sua máquina é uma forma de destruir o seu sonho fracassado; o da fogueira dos autos de fé é opressão, destruição e morte.
Sol
Associado a Baltasar Sete-Sóis e ao povo, sugere a ideia de vida, de renovação de energias (o povo trabalha até à exaustão no convento, Baltasar constrói uma máquina, mesmo depois de decepado).
Como o Sol, que todos os dias tem de vencer os guardiães da noite (mitologia antiga), também Baltasar vence as forças obscuras da ignorância e da intolerância ao voar.
Lua
Símbolo do ritmo biológico da Terra, a lua traduz a força vital que é representada pelas vontades recolhidas por Blimunda para fazer voar a passarola. Associada a Blimunda, a que o padre associa o apelido de Sete-Luas, lembra o seu mágico poder de «ver às escuras», embora este esteja condicionado (só vê o interior das pessoas em jejum e quando não há quarto de lua).
Cobertor
Trazido da Holanda pela rainha, torna-se símbolo da separação que marca o casamento de conveniência do casal régio. Exprime a frieza do amor, a ausência do prazer, os desejos insatisfeitos.
Colher
Quando partilhada, é um símbolo da aliança, do compromisso sagrado que vai unir para sempre as duas personagens populares. Exprime o amor autêntico, a atração erótica e apaixonada, a vivência plena do prazer.
A.Teixeira, abril de 2017
segunda-feira, 10 de abril de 2017
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sábado, 18 de março de 2017
quinta-feira, 9 de março de 2017
Os Maias - linguagem e estilo queirosiano
Ficha informativa sobre a Linguagem e Estilo Queirosiano
A prosa de Eça de Queirós reflete a sua forma de pensar e exprime facilmente o seu modo de ver o mundo e a vida. Este soube explorar, a partir de um vocabulário simples, a força evocativa das palavras com o uso de sentidos conotativos e relações combinatórias. Através de processos como: o ritmo da narração, a descrição, o diálogo, monólogos interiores e comentários, o romancista conseguiu imprimir nas suas palavras um verdadeiro encanto.
Apresenta um estilo literário dualista. Por um lado, descreve de forma fiel a realidade observável e, por outro, a fantasia e a imaginação do escritor realçam essa mesma descrição. Deste modo, deixa transparecer as impressões que lhe ficam da realidade, mostrando considerar não bastava descrever pormenorizadamente aquilo que se observava, mas que também era necessário manifestar os sentimentos que resultam dessa observação.
Assim, além de descrever pormenorizadamente, soube revelar a sua visão crítica sobre a sociedade dos finais do século XIX.
Principais particularidades do estilo queirosiano
Eça apoia-se nos adjetivos e advérbios que transmitem uma sensação de visualização. Por vezes a adjectivação é dupla ou tripla, com vista a mostrar não só a descrição, mas também as impressões: "(…) sob a luz suave e quente das velas (…) ", "Uma gente feíssima, encardida, molenga, reles, amarelada, acabrunhada!..."
Quanto aos advérbios com valor de modo (sobretudo terminados em –mente), devido à sua sonoridade, foram trabalhados de forma a incidirem sobre o sujeito, mantendo as funções do adjectivo ou com o verbo: "(…) um dos sujeitos de flor ao peito berrava furiosamente com um polícia. (...) Tudo isto está arranjado com decência - murmurou Craft."
Também os verbos são utilizados com um carácter impressionista e suscitam a imaginação do leitor. Para escapar à monotonia imposta pelo uso de verbos semelhantes, Eça optou por substituir os verbos comuns por outros menos vulgares, mas que expressam mais amplamente a ação descritiva pretendida.
Os verbos declarativos (disse, afirmou, observou, explicou, respondeu, prosseguiu, …) são comuns para introduzir falas de personagens e por isso tornam o discurso monótono, pelo que, o escritor opta por suprimi-los, ou substituí-los por outros mais sugestivos, como praguejar, rosnar, ….
É usual o uso do pretérito imperfeito em obras realistas, pois este tempo aproxima do presente as ações realizadas no passado. Quando é utilizado o pretérito perfeito é narrada uma ação passada e concluída. Com o uso do pretérito imperfeito, pela transposição dos eventos narrados até ao tempo presente, faz com que o leitor que possa testemunhar o acontecimento narrado.
A prosa queirosiana é ainda enriquecida com vários recursos estilísticos. Aquelas que se podem destacar por melhor representam o estilo de Eça são:
- a ironia – recurso estilístico que, por expressar o contrário da realidade, serve para satirizar e expor contrastes e paradoxos: “(...) Tudo isto está arranjado com decência - murmurou Craft." (Os Maias)
- a hipálage, ao atribuir uma qualidade de um nome a outro que lhe está relacionado, revela a impressão imediata do escritor perante o que está a descrever: "Fumando um pensativo cigarro." De modo algum o cigarro é pensativo, o que temos é a impressão imediata do escritor ao observar o fumador a pensar; "Um sempre um vago martelar preguiçoso" não qualifica o martelar mas sim o trabalhador, que é preguiçoso no seu ofício.
- a sinestesia, que, ao apelar aos sentidos para nos descrever um determinado ambiente, transporta-nos para esse mesmo ambiente, servindo não só para nos descrever com realismo o cenário envolvente mas também para nos tornar testemunhas desse mesmo cenário: "Defronte do terraço os gerânios vermelhos estavam já abertos (visão); as verduras dos arbustos, muito tenras ainda, de uma delicadeza de renda, pareciam tremer ao menor sopro (visão), vinha por vezes um vago cheiro de violetas, misturado ao perfume adocicado das flores do campo (olfacto); o alto repuxo cantava” (audição e visão).
- a aliteração, que, através da repetição de sons, pretende exprimir sensações ou os sons da realidade envolvente: "Então, abrasado, fui ouvindo todos os rumores íntimos de um longo, lento, lânguido banho(…)" e "(…) passos lentos, pesados, pisavam surdamente o tapete." (Os Maias).
Estilo indireto livre - Para evitar a utilização constante dos verbos declarativos, Eça criou o estilo indireto livre. Assim, a pontuação não pretende servir a lógica gramatical. Está mais ao serviço do ritmo da frase para, por exemplo, marcar pausas respiratórias, para revelar hesitações ou destacar elevações de vozes. O processo consiste em utilizar no discurso indireto a linguagem que a personagem usaria no discurso direto, ou seja no diálogo. Deste modo, o texto ganha vivacidade e evita a repetitiva utilização de disse que, perguntou se, afirmou que, ..., criando a impressão de se ouvir falar a personagem. «O marquês gostava de Gambetta: fora o único que durante a guerra mostrara ventas de homem; lá que tivesse «comido» ou que «quisesse comer» como diziam – não sabia nem lhe importava. Mas era teso! E o Sr. Grevy também lhe parecia um cidadão sério, ótimo para chefe de Estado...»
Escola Sec. de Fafe, março de 2017 - Professor A.Teixeira
quarta-feira, 8 de março de 2017
terça-feira, 7 de março de 2017
segunda-feira, 6 de março de 2017
domingo, 5 de março de 2017
sábado, 4 de março de 2017
sexta-feira, 3 de março de 2017
Biografia
Reflexão autobiografada
Garantem-me que nasci em 27 de setembro de 1960, quando por casa decorria a vindima. À noite, depois da ajuda possível no transporte até ao lagar dos cestos pejados de uvas, a minha mãe terá dito que estava na hora e a avó paterna, ainda com as mãos adocicadas do mosto, ajudou ao parto, que foi natural, tranquilo e na mesma cama em que os meus pais haviam lançado a fértil semente nove meses antes.
Nessa altura, Portugal estava ainda, aparentemente pelo menos, em paz com as províncias ultramarinas, Amália Rodrigues encantava os ouvintes com a voz de sereia dos seus fados, Eusébio começava a levar ao rubro os amantes da bola e o clima da guerra fria ia sendo amenizado pelos acordes imberbes dos Beatles, Rolling Stones, e outros tantos que punham em delírio inumeráveis multidões de hippies que defendiam a máxima “Paz e amor”.
No lugar em que pela primeira vez assisti ao raiar da aurora, com pouco mais de uma dúzia de casas, entre oliveiras centenárias, toscas videiras enforcadas em arames que os negrilhos mal suportavam e as laranjeiras que no Inverno traziam ao cenário envolvente uma coloração de sabor agridoce,… parecia fatalmente condenado, como quase todas a crianças vizinhas, a ficar para sempre ligado a esse chão terroso, escuro e frio de onde a muito custo se ia arrancando o magro sustento. Mas os meus pais, ambos dedicados à costura, viram um pouco mais longe. Quando completei onze anos e a escola primária, mandaram-se estudar no berço da nacionalidade, entre o vetusto castelo afonsino e os lavados ares da Penha, que abriam um pouco mais o horizonte do nosso olhar inocente.
Depois, os ínvios caminhos da tormentosa interrogação vocacional permitiram-me passar um ano no “altar do mundo”, dois anos na capital e mais um na Cova da Beira, no sopé da Serra da Estrela.
Em 1982, ingressei na Faculdade de Filosofia e Humanidades, naquela a que chamam a “cidade dos arcebispos”. Despertou então em mim o fascínio encantatório pela língua portuguesa e pela literatura na lusa língua expressa.
Ainda antes de concluir o curso de Humanidades, comecei a lecionar língua portuguesa, verificando desde o primeiro dia que a docência é afinal uma mágica simbiose de ensino e aprendizagem, em que muito do que tem de se transmitir não nos foi a nós ensinado por ninguém e que a mais enriquecedora e valiosa mensagem a passar aos alunos é a que resulta da vida e da própria experiência vivida e refletida.
Fafe e a sua Escola Secundária são, desde 1986, o poiso certo da minha atividade docente, que já conta com mais de um quarto de século e inclui gerações diferenciadas, tendo já interagido com alunos que hoje são pais e mães de outros alunos com quem vou interagindo. E hoje a escola, essa na qual que entrei no já longínquo mês de setembro de 1967, para nunca mais dela sair, tornou-se e mantém-se uma grande e verdadeira paixão. Até quando? Deus o sabe, mas não o diz!
António Gonçalves Teixeira
Natal de hoje
.
Natal de
outrora, hoje
Entre os negros potes de ferro,
Chamas vivas roíam os troncos.
As três mulheres, em estranha dança,
Sincopada, acesa e ritmada,
Cruzavam-se no lajedo da cozinha,
Orquestra de sabores e cheiros:
Batatinha esmigalhada, com espinhas
Do fiel amigo das águas frias;
Pão molhado em rabanadas,
Mexidos com canela e mel,
Aletria em pratos rasos.
Lá fora, o frio franco
Convidava ao aconchego.
Os homens iam tecendo
Conversas de circunstância.
Porta adentro, odores intensos,
O fumo leve, a azáfama,
Criançada em correrias,
No vai vem das escondidas
Atrás dos móveis, sob as camas
E a magia do reencontro.
|
E hoje o Natal é outro.
Sem a alegria da pequenada,
Sem a sabedoria dos avós…
O olhar doce de pai e mãe,
O sabor intenso da tradição,
O cheiro puro a salsa e louro,
O calor sereno da família,
Tudo perdido, para sempre
Roubado pelo tempo, cruel.
Ah, pudera eu voltar atrás,
Sentir o natal de outrora hoje.
Mas não. Nas ondas da tv,
Saturam imagens rotineiras,
Brinquedos, perfumes, modas,
músicas, filmes, más notícias…
Nas ruas, a pressa de entrar,
Filas nervosas, luzes intensas.
Tudo a comprar, tudo a comprar!
E o que falta? O que esquece?
É o marketing,
sem novidade.
Pois do Natal restam só o nome,
A data e a nostalgia da verdade.
A.Teixeira,
dezembro 2015
|
Poemas a gosto
Poesia do século XX –
seleção de poemas representativos
As palavras
São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos, as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes, leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.
Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?
Eugénio de Andrade
|
Há Palavras que Nos Beijam
Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca. Palavras de amor, de esperança, De imenso amor, de esperança louca. Palavras nuas que beijas Quando a noite perde o rosto; Palavras que se recusam Aos muros do teu desgosto. De repente coloridas Entre palavras sem cor, Esperadas inesperadas Como a poesia ou o amor. (O nome de quem se ama Letra a letra revelado No mármore distraído No papel abandonado) Palavras que nos transportam Aonde a noite é mais forte, Ao silêncio dos amantes Abraçados contra a morte. Alexandre O'Neill, No Reino da Dinamarca |
Orfeu Rebelde
Orfeu
rebelde, canto como sou:
Canto como
um possesso
Que na
casca do tempo, a canivete,
Gravasse a
fúria de cada momento;
Canto, a
ver se o meu canto compromete
A
eternidade do meu sofrimento.
Outros,
felizes, sejam os rouxinóis...
Eu
ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu
e a terra, pedras conjugadas
Do moinho
cruel que me tritura,
Saibam que
há gritos como há nortadas,
Violências
famintas de ternura.
Bicho
instintivo que adivinha a morte
No corpo
dum poeta que a recusa,
Canto como
quem usa
Os
versos em legítima defesa.
Canto, sem
perguntar à Musa
Se o canto
é de terror ou de beleza.
Miguel Torga
|
Porque
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
Sophia de Mello Breyner Andresen
|
São Leonardo da
Galafura
À proa dum navio de penedos,
A navegar num doce mar de mosto,
Capitão no seu posto
De comando,
S. Leonardo vai sulcando
As ondas
Da eternidade,
Sem pressa de chegar ao seu
destino.
Ancorado e feliz no cais humano,
É num antecipado desengano
Que ruma em direção ao cais
divino.
Lá não terá socalcos
Nem vinhedos
Na menina dos olhos deslumbrados;
Doiros desaguados
Serão charcos de luz Envelhecida;
Rasos, todos os montes
Deixarão prolongar os horizontes
Até onde se extinga a cor da vida.
Por isso, é devagar que se
aproxima
Da bem-aventurança.
É lentamente que o rabelo avança
Debaixo dos seus pés de marinheiro.
E cada hora a mais que gasta no
caminho
É um sorvo a mais de cheiro
A terra e a rosmaninho!
Viagem
Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar…
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos.)
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura…
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.
Miguel
Torga, Antologia Poética
|
Poema
à Mãe
No
mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe Tudo porque já não sou o retrato adormecido no fundo dos teus olhos. Tudo porque tu ignoras que há leitos onde o frio não se demora e noites rumorosas de águas matinais. Por isso, às vezes, as palavras que te digo são duras, mãe, e o nosso amor é infeliz. Tudo porque perdi as rosas brancas que apertava junto ao coração no retrato da moldura. Se soubesses como ainda amo as rosas, talvez não enchesses as horas de pesadelos. Mas tu esqueceste muita coisa; esqueceste que as minhas pernas cresceram, que todo o meu corpo cresceu, e até o meu coração ficou enorme, mãe! Olha — queres ouvir-me? — às vezes ainda sou o menino que adormeceu nos teus olhos; ainda aperto contra o coração rosas tão brancas como as que tens na moldura; ainda oiço a tua voz: Era uma vez uma princesa no meio de um laranjal... Mas — tu sabes — a noite é enorme, e todo o meu corpo cresceu. Eu saí da moldura, dei às aves os meus olhos a beber, Não me esqueci de nada, mãe. Guardo a tua voz dentro de mim. E deixo-te as rosas. Boa noite. Eu vou com as aves. Eugénio de Andrade, Os Amantes Sem Dinheiro |
Para Atravessar Contigo o Deserto do Mundo
Para
atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte Para ver a verdade para perder o medo Ao lado dos teus passos caminhei Por ti deixei meu reino meu segredo Minha rápida noite meu silêncio Minha pérola redonda e seu oriente Meu espelho minha vida minha imagem E abandonei os jardins do paraíso Cá fora à luz sem véu do dia duro Sem os espelhos vi que estava nua E ao descampado se chamava tempo Por isso com teus gestos me vestiste E aprendi a viver em pleno vento Sophia de Mello Breyner Andresen, Livro Sexto |
Gaivota
Se uma gaivota viesse
|
Flores da minha terra
O presente da Natureza!
Cada novo dia, a mãe natureza é capaz
de nos oferecer novas e coloridas surpresas.
São formas, texturas, perfumes e cores
que até hoje ainda nenhum grande pintor
conseguiu registar em tela com tanta perfeição
como a que resulta da espontaneidade natural.
Basta um olhar limpo para as apreciar devidamente.
Estas são apenas algumas flores da minha terra:
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